As crises de pânico são motivo frequente de recurso ao serviço de urgência e de consulta a nível de cuidados de saúde primários. Quer se enquadrem num quadro de perturbação de pânico, quer em quadros de ansiedade ou depressão, o seu diagnóstico nem sempre é fácil, sendo muitas vezes uma patologia desvalorizada, nem sempre diagnosticada ou bem orientada, o que gera enormes custos pessoais e para o sistema de saúde.
Dada a sua natureza paroxística e exuberância da sintomatologia, resultante da activação do sistema nervoso autónomo, as crises de pânico podem mimetizar doenças cardíacas ou neurológicas, o que pode exacerbar a ansiedade e perturbar a qualidade de vida dos doentes, gerando maiores custos, nomeadamente ao aumentar o consumo de actos médicos procurados pelo doente.
O médico de família encontra-se numa posição privilegiada para fazer o diagnóstico, encaminhamento e orientação deste tipo de situações.
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O que é uma crise de pânico?
CRITÉRIOS PARA DIAGNÓSTICO DE CRISE DE PÂNICO (DSM-IV)
Período de discreto desconforto ou medo intenso, durante o qual 4 (ou mais) dos seguintes 13 sintomas se desenvolvem abruptamente e atingem o seu pico dentro de 10 minutos:
palpitações, batimentos cardíacos ou ritmo acelerado
suores
estremecimentos ou tremores
dificuldade em respirar
sensação de sufoco
desconforto ou dor no peito
náuseas ou mal-estar abdominal
sensação de tontura, de desequilíbrio, de cabeça oca ou de desmaio
desrealização ou despersonalização
medo de perder o controlo ou de enlouquecer
medo de morrer
parestesias
sensação de frio ou de calor
A crise de pânico é acompanhada por sensação de perigo ou catástrofe iminente e por impulsos de fuga. O mal-estar é sentido fisicamente, de uma forma avassaladora condicionando um medo intenso. O doente teme perder o controle, sente que vai morrer, ter um colapso ou enlouquecer. Em última análise, a ameaça é sentida ou evocada como medo de dissolução do “EU” (destruição do “SELF”). A ansiedade característica das crises de pânico diferencia-se da ansiedade generalizada pela sua natureza intermitente, paroxística e pela sua maior intensidade. As crises de pânico podem surgir em média duas vezes por semana e durar cerca de 30 minutos. Entre uma crise e a seguinte, o doente sente medo de ter nova crise.
As crises de pânico podem surgir numa variedade de perturbações da ansiedade:
Perturbação de pânico
Fobia social
Fobia específica
Perturbação do stress pós-traumático
Perturbação aguda de stress
O contexto em que a crise de pânico ocorre é importante para determinar o diagnóstico diferencial. Existem 3 tipos característicos de crises de pânico, com diferentes relações entre o início da crise e a presença de desencadeantes situacionais:
1. Crises de pânico inesperadas – O início da crise não está ligado a um desencadeante situacional. Ocorre espontaneamente, sem nenhum motivo aparente. Características da perturbação de pânico com ou sem agorafobia.
2. Crises de pânico situacionais – A crise ocorre, quase invariavelmente, logo após ou antecipando, a exposição a um desencadeante ou estímulo situacional. Características das fobias específicas ou sociais. Ex.: exposição a cobras, a cães, ratos, etc.
3. Crises de pânico situacionalmente prováveis – Ocorrem com maior probabilidade durante ou após a exposição a um estímulo situacional. Ex.: podem ocorrer durante ou após a condução de um automóvel, mas não necessariamente, sempre que o indivíduo conduza. As crises de pânico situacionalmente prováveis podem ocorrer em ambos os contextos (quer na perturbação de pânico, quer nas fobias sociais ou específicas).
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Uma palavra especial para a perturbação do pânico
A perturbação de pânico constituiu um distúrbio crónico que pressupõe um diagnóstico de exclusão em relação a outras perturbações da ansiedade.
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O que é a perturbação de pânico?
Caracteriza-se pela existência de crises de pânico inesperadas e recorrentes, (2 no mínimo) seguidas de pelo menos 1 mês de preocupação persistente acerca da ocorrência de nova crise, ou de alterações comportamentais significativas relacionadas com estas.
• Podem ocorrer crises de pânico situacionalmente predispostas (geralmente em fases mais tardias da doença).
• As crises de pânico situacionais são mais raras, mas podem manifestar-se.
• Surgem alterações de comportamento que conduzem ao evitamento de certas situações.
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O que é a agorafobia?
Etimologicamente significa medo dos espaços abertos, como o mercado ou praça pública. Actualmente considera-se que a agorafobia é sentida como a ansiedade de estar em locais ou situações donde a fuga possa ser difícil ou embaraçosa, ou nas quais não se possa ter ajuda no caso de surgir uma crise de pânico ou sintomas semelhantes ao pânico. Condiciona o evitamento de uma variedade de situações (estar só, fora ou dentro de casa, estar no meio de multidões, viajar de autocarro ou de avião, entrar num elevador, etc.).
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Epidemiologia
O distúrbio de pânico apresenta cerca de 1,5 a 3,5% de prevalência ao longo da vida, na população, tendo uma prevalência anual de 1 a 2%.
• É mais frequente em mulheres.
• Podendo estar presente desde a infância até à senescência, apresenta picos de incidência no final da adolescência e no meio 4ª década de vida, alturas em que o seu aparecimento “de novo” é mais frequente.
• Frequentemente existem antecedentes familiares de crises de pânico, ou história pessoal de desvinculação a figuras importantes para o indivíduo (divórcio ou separação do cônjuge, saída da casa paterna, etc.) ou de ansiedade de separação na infância.
• Taxa de concordância – é maior em gémeos monozigóticos (85%) do que em dizigóticos (12%)
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Comorbilidade
Pode surgir concomitantemente ou no contexto de uma diversidade de outras situações mórbidas, entre as quais:
1. depressão (50% a 65% dos casos - depressão major)
2. fobia social (15 a 30%) ou específica (10 a 20%)
3. ansiedade generalizada (25%)
4. perturbação obsessiva – compulsiva (8 a 10%)
5. hipocondria (ansiedade crónica e debilitante, que gera alto consumismo de consultas)
6. dependência de álcool ou de fármacos
7. prolapso da válvula mitral (?)
8. patologia da tiróide (?)
No caso destas duas últimas patologias, diversos estudos apontam para que haja uma maior prevalência de crises de pânico nestas situações.
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Dados laboratoriais
O diagnóstico é eminentemente clínico, não havendo exames complementares que auxiliem à sua elaboração. Contudo, verifica-se que durante uma crise de pânico surge alcalose metabólica compensada, taquicardia e elevação da tensão arterial sistólica. As crises de pânico podem ocorrer no contexto da utilização de certas drogas, pelo que é importante excluir a relação destas com o seu desencadeamento, na elaboração do diagnóstico de perturbação do pânico. Laboratorialmente, é possível induzir crises de pânico através da infusão de lactato de sódio ou da inalação de dióxido de carbono.
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Tratamento
O médico de família desempenha um papel muito importante no tratamento deste distúrbio. Ao diagnosticá-lo precocemente, evita o arrastar de uma situação muito angustiante para o doente, que pode condicionar um alto consumismo de consultas. O facto de o doente ser conhecedor do seu diagnóstico, pode por si mesmo contribuir para que, ao entender melhor o que se passa consigo, consiga lidar melhor com a sua doença, diminuindo a ansiedade relativamente à existência de outras doenças potencialmente graves. Para além do diagnóstico apurado, o médico de família deve providenciar uma referenciação criteriosa das situações mais graves, em que haja resistência ao tratamento, bem como em situações em que exista comorbilidade ou ideação suicida (que pode ocorrer em até 20% dos doentes com perturbação de pânico).
O seu papel estende-se ainda ao tratamento farmacológico e à psicoterapia.
Tratamento farmacológico
1. Inibidores selectivos da recaptação da serotonina (1ª Linha)
Paroxetina / Fluoxetina – iniciar com doses baixas até atingir 20 mg x dia
Sertralina – iniciar com doses baixas até atingir 50 mg x dia
2. Antidepressivos Tricíclicos
Imipramina / Amitriptilina / Desipramina – aumentando gradualmente a dose até aos 150 a 300 mg x dia.
3. Inibidores das monoamino-oxidases
Fenelzina 30 a 75 mg x dia
4. Benzodiazepinas mais eficazes:
Alprazolam 2 a 6 mg x dia
Clonazepam 1 mg x dia
O uso de medicação psicotrópica tem sido advogado quer no tratamento das crises de pânico, quer em tratamentos de longo curso, nos casos de perturbação de pânico. A terapêutica com ansiolíticos do grupo das benzodiazepinas (alprozalam) foi a primeira a ser aprovada especificamente no tratamento destas situações, advogando-se actualmente o seu uso como primeira escolha, no manejamento das crises de pânico, quando entendidas como episódios agudos e isolados. O facto de induzirem dependência física e de provocarem síndromes de privação com a interrupção súbita da medicação, torna o uso das benzodiazepinas mais complicado e menos seguro em tratamentos de longa duração. Os tratamentos de longo curso direccionados à prevenção de crises de pânico recorrentes constituem a estratégia fulcral do tratamento da perturbação de pânico. Numerosos ensaios clínicos e estudos controlados têm vindo a demonstrar a eficácia dos anti-depressivos no controle de sintomas de pânico, bem como numa vasta gama de situações psicopatológicas que frequentemente se associam à sua manifestação (depressão, fobias, POC, etc. Tanto os anti-depressivos tricíclicos, como os inibidores das monoamino-oxidases, como os inibidores selectivos da recaptação da serotonina (ISRS) têm demonstrado eficácia comparável no tratamento da perturbação de pânico (com taxas de sucesso terapêutico de 60 a 70%). No entanto, os ISRS têm um perfil de excelente tolerabilidade, com poucos efeitos adversos e baixa toxicidade, o que os coloca actualmente como fármacos de primeira escolha no tratamento da Perturbação de Pânico. Salienta-se a paroxetina que é a droga dentro deste grupo que já foi sujeita a maior número de estudos controlados, e que tendo atingido bons resultados no controle sintomático, já obteve autorização para ser comercializada com esta indicação específica, em diversos países europeus. Desta forma, a nível de cuidados de saúde primários, as opiniões de consenso dirigem-se à escolha em primeira linha de um tratamento que contemple o uso de um ISRS, por períodos de 12 a 24 meses, com descontinuação da terapêutica de forma gradual, num período de 4 a 6 meses.
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Psicoterapia
Apesar de existirem vertentes psicoterapêuticas cognitivas e de dessensibilização que podem ser dirigidas a este tipo de distúrbio, e que têm demonstrado bons resultados, quer quando utilizadas como forma de tratamento único, quer associadas a tratamento farmacológico, o espectro da sua utilização não se enquadra no âmbito da medicina geral e familiar. No entanto, a psicoterapia de suporte é inestimável no manejamento desta situação. Pode e deve ser utilizada, desde que resulte de um bom entendimento da situação, observando os seguintes pontos-chave:
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Psicoterapia de suporte
Escuta empática – O médico de família deve demonstrar o entendimento que tem desta forma de sofrimento desmoralizante, que se expressa por sintomatologia intrusiva, angustiante e bem definida.
Educação – Deve utilizar uma vertente psicopedagógica que contemple informação objectiva e detalhada acerca do diagnóstico, etiopatogenia, prognóstico e envolvimento do próprio doente na terapêutica.
Tranquilização – Deve proceder à análise, em conjunto com o doente, acerca do que está mal e do que pode ser feito. Esta atitude tem um efeito ansiolítico. Ao mesmo tempo que o doente sente que estão a ser afastadas outras causas para o seu mal-estar, desenvolve competências para lidar com a sua situação.
Encorajamento – A maioria dos doentes com este tipo de perturbação sente que esta limita ou pode limitar o seu desempenho pessoal, social e profissional, numa grande diversidade de situações. Este facto desencadeia uma série de alterações a nível da auto-estima e da auto-imagem. Deve-se encorajar o doente a ultrapassar a auto-imagem de “fragilidade”, “fraqueza” ou de “falta de carácter”, que é comum os doentes com perturbação de pânico terem de si próprios.
Orientação – Pode ser prestada no sentido de demonstrar como ultrapassar situações disruptivas e incapacidades sociais. O médico de família deve ainda envolver o doente no seu tratamento, demonstrando-lhe a importância do seu papel no controle dos sintomas, nomeadamente através de técnicas de relaxamento, como forma de controlo da ansiedade.
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Prognóstico
Trata-se de uma patologia com curso crónico, com muitos episódios recorrentes. Até 90% dos doentes recaem quando param a medicação, independentemente do tipo de tratamento efectuado e da duração deste. No entanto, supõe-se que a curta duração dos tratamentos (farmacológicos, psicoterapêuticos ou combinados) agrava a perda dos ganhos terapêuticos obtidos, uma vez que os doentes se mantêm relativamente estáveis em terapêuticas mantidas por longos períodos.
Nos casos em que a Perturbação do Pânico tem longa evolução, se apresenta no contexto de agorafobia, depressão ou alterações da personalidade, o prognóstico parece ser pior, não sendo clara a existência de diferenças em relação ao prognóstico destas situações quando sujeitas a tratamento, relativamente a situações de mais curta evolução ou não complicadas.
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Conclusões
A sensibilização da classe médica para este problema melhora a qualidade e a rapidez de diagnósticos, optimizando o tratamento. O papel do médico de família é inestimável, quer na abordagem educativa e empática, quer na instituição de terapêutica farmacológica, de psicoterapia e na referenciação criteriosa.
A correcta abordagem deste problema:
reduz o consumismo de consultas médicas e de gastos económicos.
melhora a qualidade de vida dos doentes, diminui a taxa de recidivas, aumentando o sucesso das terapêuticas.
torna os doentes mais aptos para lidarem com um problema crónico, incapacitante e gerador de grande sofrimento.
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